CEDA

Centro de Ética e Direiro dos Animais

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Cientistas, Filósofos e Juristas reunidos na Faculdade de Direito de Lisboa
defendem melhor protecção legal para os animais

 

Sumário de Conclusões do Colóquio "O Estatuto Moral e Jurídico dos Animais Não-Humanos":

Reunidos na Faculdade de Direito de Lisboa, a propósito do Colóquio "O Estatuto Moral e Jurídico dos Animais Não-Humanos", prestigiados cientistas, filósofos e juristas portugueses debateram, como o título do evento indica, as questões relativas ao estatuto moral e jurídico dos animais e aos meios de protecção legal que devem ser criados para corresponder à obrigação moral de os respeitar e proteger.

O Colóquio foi iniciado com um discurso de Luís Frazão Gomes, Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, que falou de um pacote legislativo, relativo à protecção dos animais, que o Governo tem estado a preparar e com o qual vai avançar em breve. Não foram, ainda assim, avançados muitos pormenores sobre este pacote legislativo.

Ao discurso do governante, seguiu-se a comunicação de Jorge Bacelar Gouveia, advogado e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que se referiu aos instrumentos de protecção legal dos animais que vigoram actualmente, bem como ao estatuto jurídico destes, tendo ainda feito referência - em resposta a uma questão - à justificabilidade da Proposta de Introdução da Protecção dos Animais na Constituição da República Portuguesa.

De seguida, Ilda Gomes Rosa, Professora de Comportamento Animal na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, explicou de que maneira o comportamento dos animais e as suas características e necessidades etológicas estão interligados com o seu bem-estar, advogando a necessidade de ter em conta estas mesmas características e necessidades para que se consiga preservar adequadamente o bem-estar animal.

A comunicação seguinte foi apresentada por Fernando Borges Araújo, Professor e Vice-Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, numa abordagem que harmonizou a filosofia moral com a filosofia do direito. Autor de A Hora dos Direitos dos Animais - o primeiro livro de um autor português sobre o direito dos animais e os direitos dos animais -, Fernando Borges Araújo escolheu como tema para a sua comunicação uma reflexão sobre a relação entre o antropocentrismo, o antropomorfismo e o especismo, assumindo, por um lado, o carácter incontornavelmente antropocêntrico da moral e do direito (no sentido em que são construções humanas), mas rejeitando, por outro lado, as tendências antropomórficas, tanto quanto a discriminação especista e as suas injustificáveis implicações.

Continuando num registo filosófico, embora fortemente sustentado pela biologia, Humberto Rosa, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, apresentou as bases biológicas para uma hierarquização ética e jurídica dos animais, advogando a protecção legal do sofrimento injustificável para os animais não-humanos meramente sencientes, e defendendo a atribuição de direitos legais propriamente ditos para os animais não-humanos que sejam auto-conscientes e que tenham uma complexidade mental tal que possam ser considerados pessoas (pessoas não-humanas), como é o caso dos grandes primatas e de alguns cetáceos, como os golfinhos.

A terminar as comunicações da primeira sessão do Colóquio, António Maria Pereira, advogado e representante do Bastonário da Ordem dos Advogados neste evento, expôs uma perspectiva geral sobre o actual estatuto jurídico dos animais em Portugal e a legislação vigente que visa protegê-los. Combinando o seu conhecimento jurídico com a sua experiência política, designadamente como autor da actual Lei de Protecção dos Animais (Lei n.¼ 92/95), que conseguiu - embora com adversidades múltiplas - que fosse aprovada em 1995, enquanto deputado à Assembleia da República, António Maria Pereira não se limitou a descrever o actual estado de coisas, tendo defendido avanços verdadeiramente significativos na protecção legal dos animais em Portugal, fazendo jus à sua reputação de histórico defensor dos direitos dos animais.

A segunda sessão do Colóquio foi iniciada por Carlota Pizarro de Almeida, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Vice-Presidente do CEDA, que trouxe ao evento uma perspectiva da defesa dos animais vista pelo Direito Penal. Analisando a questão do bem jurídico e relacionando este ponto com o enquadramento da protecção legal dos animais no Direito Penal, Carlota Pizarro de Almeida não deixou de referir vários exemplos de outros estados-membros da União Europeia cujo ordenamento jurídico contempla como crimes vários tipos de crueldades cometidas contra animais. Partindo daí, deixou clara a ideia de que a criminalização deste tipo de actos em Portugal é não só em si mesma inteiramente justificada como também, do ponto de vista do Direito Comparado, não é uma medida isolada.

E, num evento sobre o estatuto moral e jurídico dos animais não-humanos, coube a Pedro Galvão, Director do Centro de Ética Aplicada da Sociedade Portuguesa de Filosofia e Vice-Presidente do CEDA, falar sobre a própria ideia de estatuto moral. Passando pelas duas grandes correntes de filosofia moral - o consequencialismo (no qual se destaca o utilitarismo defendido por Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Henry Sidgwick, Adam Smith e, mais recentemente, Peter Singer) e o não-consequencialismo (no qual se destaca o dentologismo de Kant ou, numa versão mais actual, o deontologismo de Christine Kosgaard ou o de Tom Regan, aplicado também aos direitos dos animais) -, Pedro Galvão analisou mais especificamente a teoria de estatuto moral de Peter Singer, o mais importante filósofo da ética aplicada aos animais não-humanos, apontando alguns perigos do utilitarismo das preferências defendido por este. Pedro Galvão deixou ainda algumas pistas para resolver as eventuais inconsistências que o utilitarismo das preferências pode ter quando se pretende aplicá-lo à defesa dos animais.

De seguida, Maria Luísa Duarte, Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, traçou uma panorâmica da protecção dos animais na perspectiva do Direito Comunitário e da relação entre a intervenção legislativa da União Europeia e de cada estado-membro (nomeadamente do Português) nas políticas de protecção dos animais. Maria Luísa Duarte fez referência a Directivas transpostas para o Direito Português, avançou o importante dado de que as associações de protecção dos animais podem valer-se juridicamente das Directivas mesmo quando ainda não foram transpostas para o Direito Português, e advogou, por fim, que, a haver uma Constituição da União Europeia, justifica-se inteiramente que seja incluída nesta a protecção dos animais como um dos seus artigos.

Embora Professor da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, foi também da legislação vigente de protecção dos animais que falou Armando Louzã. Partindo da sua experiência, nomeadamente da sua participação em grupos de trabalho e comités de acompanhamento, Armando Louzã referiu vários diplomas que estipulam a obrigatoriedade de assegurar a protecção e o bem-estar animal, alertando que, em muitos casos, esta legislação não é cumprida, para o que concorrem diversos factores, como a falta de fiscalização e mesmo a falta de vontade política para que esta legislação se cumpra.

Pedro Paulo de Azeredo Perdigão, por seu turno, apresentou uma comunicação que assentou fundamentalmente na sua experiência de advogado que tem patrocinado todos os processos referentes à protecção dos animais, área em que tem desenvolvido um trabalho absolutamente pioneiro em Portugal. Referindo-se a vários casos em que representou a ANIMAL, a Sociedade Protectora dos Animais de Lisboa e a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, Pedro Paulo de Azeredo Perdigão expôs o negro quadro da realidade da protecção dos animais em Portugal, por oposição à fábula que seria a ausência dos problemas que denunciou. Desde o tristemente célebre "caso de Barrancos", passando pela atroz prática de tiro aos pombos e mencionando ainda o caso da festa com "touros de fogo" que estava prevista para acontecer há uns meses em Santarém, Pedro de Azeredo Perdigão fez questão de deixar claro que, no recurso a medidas cautelares para preservar os animais de actividades cruéis das quais resultam para estes um sofrimento horrível e mesmo a morte, os tribunais e a magistratura judicial têm tido uma resposta exemplar, quer quanto aos moldes em como dão provimento às providências interpostas, quer quanto à impressionante celeridade com que o fazem, atendendo à urgência e gravidade dos casos. Mas o advogado não deixou de referir também que, da parte do poder executivo e mesmo do Ministério Público, vários obstáculos se têm levantado para que as próprias decisões judiciais destes tribunais sejam cumpridas. Numa nota, Azeredo Perdigão denunciou ainda as adversidades que têm sido levantadas por alguns parlamentares para que a protecção legal dos animais tenha o sucesso que se impõe.

Manuel Eduardo dos Santos, Professor da Unidade de Eco-Etologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, trouxe a sua perspectiva de biólogo e etólogo, decisiva para um debate sobre o estatuto moral e jurídico dos animais. Rejeitando liminarmente a aplicação da categoria de coisas aos animais, explicou de que modo é que são vistos como recursos naturais, nomeadamente no meio da biologia, e em que sentido podem ser protegidos enquanto tal. Manuel Eduardo dos Santos foi, ainda assim, mais longe, apresentando o caso dos grandes primatas - como os bonobos, os chimpanzés, os gorilas e os orangutangos - e dos cetáceos - como é o caso dos golfinhos - como animais que devem ser considerados pessoas jurídicas, tendo em conta as suas características. O etólogo alertou ainda que não há nenhuma razão para traçar barreiras dicriminatórias entre os animais destas espécies e de outras, razão pela qual deveria ser garantido o mesmo grau de protecção jurídica a todos os animais sencientes (embora tenha também mencionado as dificuldades de definir graus exactos de senciência). Contudo, admitiu que a conquista de avanços significativos na protecção jurídica de animais pertencentes a algumas espécies - como os grandes primatas e os cetáceos - pode permitir que, a médio prazo, haja avanços similares em relação a animais pertencentes a muitas outras espécies.

Por último, e embora Assunção Esteves, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, não tenha conseguido chegar a tempo de participar no Colóquio, foi já num encontro de membros do CEDA, ocorrido imediatamente depois do fim da segunda e última sessão do evento, que a constitucionalista e parlamentar reafirmou o seu firme compromisso com a defesa dos animais. Assunção Esteves deixou claro que, na qualidade de Presidente da 1.» Comissão do Parlamento, não só está, em termos gerais, absolutamente a favor do aumento da protecção legal dos animais, como também irá tomar medidas específicas para concretizar esta sua disposição. Assim, Assunção Esteves declarou que irá apresentar, na qualidade de deputada à Assembleia da República e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, a Proposta de Introdução da Protecção dos Animais na Constituição da República Portuguesa, para que seja integrada num projecto de revisão constitucional e possa eventualmente ser aprovada a inclusão da protecção dos animais no texto constitucional português. Por outro lado, Assunção Esteves anunciou que pedirá aos deputados portugueses que participam na Convenção Europeia para que, no seu contributo para a preparação de uma Constituição da União Europeia, apoiem a inclusão da protecção dos animais nesta futura constituição - de resto, no seguimento da proposta já apresentada nesse sentido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Joschka Fischer. Assunção Esteves informou ainda que, na qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, irá dirigir uma carta a todos os autarcas do país pedindo-lhes que se envolvam directamente na defesa dos direitos dos animais, nomeadamente intervindo localmente. Por fim, Assunção Esteves mostrou-se muito interessada em ter um papel determinante para que sejam criados mais e melhores instrumentos de protecção legal dos animais em Portugal e ficaram reforçadas as bases para uma sólida e frutuosa colaboração com o CEDA.

Em suma, o grupo de especialistas em biologia, etologia, medicina veterinária, ética e direito que esteve reunido na Faculdade de Direito de Lisboa para participar neste Colóquio estabeleceu vários pontos de consenso, fundamentando científica, filosófica e juridicamente os avanços que advogaram para o reforço da protecção legal dos animais em Portugal. Todos estes fundamentos serão compilados numa antologia com os textos das comunicações apresentadas neste evento, cujo título será O Estatuto Moral e Jurídico dos Animais Não-Humanos, e que começará já a ser organizada por Miguel Moutinho, preparando-a pelo CEDA.

Nos vários pontos de consenso estabelecidos, contam-se 1) a inclusão da protecção dos animais na Constituição da República Portuguesa e 2) na Constituição da União Europeia, 3) a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil Português, 4) a produção de legislação mais específica de protecção dos animais - eventualmente, recuperando o projecto inicial de António Maria Pereira de preparar um Código de Protecção dos Animais -, e 5) a consciencialização dos titulares de cargos políticos, seja no poder executivo, seja no poder legislativo, para que estes respondam positivamente à necessidade de assegurar na prática uma eficaz protecção aos animais.

Tendo em conta a disposição positiva apresentada pelo Secretário de Estado Adjunto e das Pescas e, mais ainda, a admirável sensibilidade e vontade de compromisso da Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República relativamente à defesa dos animais, admite-se como seguro acreditar que as conclusões deste Colóquio terão consequências práticas muito benéficas para os animais em Portugal. É pelo menos certo que o CEDA e a ANIMAL continuarão a trabalhar nesse sentido.

Para mais informações, é favor contactar Miguel Moutinho (Tm: 962358183 | E-mail: miguelmoutinho@netcabo.pt).

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http://www.actionagainstpoisoning.com/pages/pt/ceda-coloquio.html -- Last updated on June 3, 2003